A crença de que o mundo está se tornando um lugar cada vez melhor é consequência dos constantes avanços tecnológicos e científicos que o homem está alcançando. No entanto, ao analisarmos o contexto por uma ótica em que se percebe um cenário de mudanças climáticas, instabilidade econômica e iniquidade social, essa ideia pode variar radicalmente. Entre tantas crises que precisam ser administradas pelas cidades, elas podem estar esquecendo um fator fundamental para o crescimento de pessoas e comunidades: a felicidade.
Pesquisas já constataram a influência das áreas verdes na sensação de felicidade da população. Porém, os urbanistas Charles Montgomery e Omar Dominguez sugerem ainda que a “velocidade na cidade” é um fator importante e que a felicidade é algo que se deve trabalhar desde o desenho urbano. “Em uma era em que pessoas investem tanto tempo e dinheiro em auto-ajuda, o que realmente precisamos é de ajuda para as cidades: programas que promovam saúde e bem-estar ao compreender a relação entre nossas mentes, nossos corpos e os lugares que habitamos”, afirmaMontgomery.
O canadense lançou, em 2013, o livro “Happy City – Transforming Our Lives Through Design”, onde ele relata seus estudos e experiências em que tenta provar que as cidades – ruas, parques, shoppings, casas, toda a infraestrutura – deveriam ser redesenhadas para a felicidade.
Algumas das evidências coletadas pelo urbanista vêm da psicologia, da neurociência, da saúde pública e da economia comportamental. Um experimento desenvolvido pela organização Happy City, criada por ele, descobriu que pedestres são quatro vezes mais propensos a ajudar turistas em ruas “vivas”, locais com comércio ou restaurantes, do que em ruas vazias, onde as pessoas tendem a caminhar mais rapidamente.
"Nós acreditamos que demonstrações de gentileza são resultado da velocidade. Pessoas são mais amáveis umas com as outras quando elas se movem mais lentamente e conseguem tempo para estabelecer contato." - Charles Montgomery
Outros projetos da organização canadense buscam levar os experimentos comportamentais usualmente feitos em laboratórios para as ruas. Em um deles, grupos de voluntários frequentaram espaços públicos de Nova York, Berlim e Mumbai com sensores equipados para registrar os estímulos psicológicos, e smartphones, que lhes permitiram gravar suas respostas subjetivas. Os testes confirmaram os efeitos positivos que a exposição à natureza têm sobre as emoções e ainda foram base para novas ideias sobre o efeito da arquitetura e das ruas na vida dos pedestres.
A ideia exposta no livro de Montgomery de ter a felicidade como “motor” das cidades foi trazida de uma viagem sua a Bogotá, onde o urbanista conheceu Enrique Peñalosa, então prefeito da cidade. “Sou obcecado pela ideia de felicidade. É difícil de definir e impossível de quantificar. Ainda assim é a única coisa que realmente importa. Um dos maiores obstáculos da felicidade é se sentir inferior ou excluído. Uma boa cidade pode ser um meio poderoso para isso não acontecer. Uma boa cidade pode tornar a vida melhor para todos, para os ricos e pobres”, afirmou o colombiano para o Citiscope.
Desenvolvido pela New Economics Foundation, o Happy Planet Index (HPI) é um índice que mede a felicidade do planeta. A ferramenta foi criada para mensurar a eficiência com que as nações estão convertendo seus recursos em esforços pela felicidade de sua população. O cálculo combina quatro elementos: bem-estar, expectativa de vida e desigualdade de renda são multiplicados e divididos pela pegada ecológica.
“Uma das causas dessas crises interligadas é a teimosa priorização do crescimento econômico como o objetivo central dos governos acima de todos os outros objetivos. Pessoas votam em partidos políticos que elas acreditam serem os mais capazes de entregar uma economia forte, e decisores políticos priorizam políticas que aumentem o Produto Interno Bruto (PIB) como resultado. Isso os levou a planos provisórios, deterioração das condições sociais e paralisia em relação ao combate às mudanças climáticas”, afirma o HPI.
Além do HPI, outros rankings internacionais também pesquisam o índice de felicidade global. São eles o Better Life Index, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), o Sustainable Economic Development Assessment, do Boston Consulting Group (BCG) e, finalmente, o World Happiness Report, da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Um artigo de 2013, desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), apresentou a noção de cidades prósperas. Para se adequar ao termo, os municípios devem apresentar um bom padrão de desenho urbano e, principalmente, reconhecer a relevância de espaços públicos bem planejados. Parques e praças ganham uma importância cada vez maior em cidades que desejam oferecer qualidade de vida para seus habitantes. Manter as ruas e calçadas vivas é o que traz segurança a elas.
Carros x segurança
Em 1969, o urbanista britânico Donald Appleyard realizou diversos estudos para descobrir que o tráfego de veículos isola as pessoas umas das outras e diminui as conexões humanas. A pesquisa de Appleyard foi replicada em Nova York em 2005 e os resultados foram os mesmos. Em locais de tráfego leve, onde passavam 2 mil veículos por dia, cada pessoa disse ter três amigos na vizinhança e uma média de 6,3 conhecidos. Já em uma rua com 16 mil veículos por dia, esse número foi para 0,9 amigos por pessoa e 3,1 conhecidos.
Não apenas a quantidade de carros, mas a velocidade em que eles circulam também pode influenciar profundamente o que a população sente ao habitar uma cidade. Portanto, a ideia de Montgomery sobre o ritmo com que as pessoas se locomovem pode ser aplicada também para a velocidade do tráfego nas vias. O nível de segurança que os cidadãos sentem nos espaços públicos é determinante para a disposição que eles têm de sair de casa e interagir.
Criar cidades para pessoas e não para os carros é o pensamento que deve nortear o planejamento dos municípios. O desenho urbano seguro ajuda a reduzir a velocidade dos veículos motorizados e dá maior protagonismo aos pedestres e ciclistas. Elaborado pelo WRI Ross Center for Sustainable Cities, o guia O Desenho de Cidades Seguras fornece aos gestores e projetistas um compilado de orientações e exemplos de intervenções no desenho viário que ajudam a reduzir os acidentes e as mortes no trânsito. As medidas sugeridas na publicação contribuem ainda para a redução da velocidade nas vias.
Uma simples redução de 5% na velocidade pode evitar significativamente os acidentes fatais. Em altas velocidades, um condutor não é capaz de tomar a decisão correta a tempo de evitar uma colisão. Ao atropelar um pedestre a 60 km/h, o risco de morte é de mais de 80%; se o carro estiver a 50 km/h, contudo, a vítima sofre ferimentos, mas o risco de fatalidade é bem menor.